quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O garoto do meio da classe

- Alguém aí sabe a capital de Angola?

- (Luanda)

- Ninguém?

- (Luanda. Vou falar!)

- Vou dar uma dica, começa com "L".

- (Deixa... Agora alguém provavelmente vai falar.)

- Vocês precisam estudar mais. Não é possível!

- (Mas eu sei que é Luanda! Só não quero falar.)

- Lu...

- ...anda

- (Sabia que uma outra pessoa ia falar.)

- Muito bem, João Alberto! Estou vendo que você é a única pessoa que estuda geografia aqui. Luanda é a capital de Angola que é um país....

- (Que se danem essa professora, Angola e João Alberto puxa-saco.)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Ps eu

Eu
maiúsculo
aqui
descanso
ruínas
antiga
utopia
pulverizada
sonho
esfacelado
cama
cara
reclama
mantra
inimigo
existente
trabalhar
para
dormir
para
trabalhar
para
comer
para
comprar
para
comprimir
ideias
juvenis
sou
rocha
não
Rocha
sou
inimigo
conectivo
preocupação
excesso
preposição

tudo
pau
todos
pobres
almas
podres

alienardos.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Fortuna e Virtú

- Porra, o Brasil não tem jeito mesmo.
- Pois é, meu caro, assim fica complicado...
- Aquela mulher definitivamente não serve para liderar.
- A situação nem anda tão ruim atualmente, mas se o Brasil continuar com essas figuronas vai tudo para o brejo.
- Espero que deixem de fazer essas besteiras que estão fazendo.
- Pois é, eu também.
- E quais foram os números de hoje?
- Das pesquisas eleitorais?
- Não! Do mundial de basquete feminino, na República Tcheca!
- Ah! Brasil 93 x 91 Japão.
- Mesmo assim, a classificação está cada vez mais complicada, o grupo é difícil e a equipe limitada.
-Pois é, eu também acho.

domingo, 15 de agosto de 2010

saltador ornamental

não sou um.

não sei pular.

não me catapulto.

não dou cambalhotas.

não faço piruetas.

não corto a água com perfeição.

não sei nadar.


hesito em sair da plataforma.

é segura.


balança balança

trampolim


um dia


largarei meus passos vacilantes


arriscarei minha carne


e , no compasso da tábua,



saltarei para o mundo.



Voarei.



quarta-feira, 7 de julho de 2010

Iglu?

São blocos de neve empilhados.


O que é neve?


É aquele monte de flocos brancos que o inverno traz.


Ué, então o inverno já foi e levou a neve com ele.


Ah, mas o meu iglu resistiu

E aqui estou eu,

com receio de que o inverno ainda esteja lá, esperando para me castigar.


Tenho a certeza de que não está!


Mas aqui dentro está tão quente, tão agradável…

Prefiro não arriscar.


Já que não quer ver a aurora aqui fora

Pelo menos assista-a pela estreita porta!


Não! Sei que é bela e agradável

Mas eu me contento com o branco da neve.

É tão calmo!


Então escute o vento dançando ao som do sol!


Deve ser um espetáculo e tanto!

Ah, deixa pra lá, o silêncio dos blocos soa tão bem…


Ande logo, o verão esta aqui te esperando!


Por favor, pare de insistir.

Dentro do meu iglu o inverno ainda é eterno.

Pelo menos até o gelo derreter.


E isso vai demorar?


Não sei...

Talvez ainda dure alguns verões...


Nossa! Por que tudo isso?


Porque o iglu é muito resistente, eu o construí esperando que o inverno fosse durar muito mais tempo.


Mas é só você sair!


Eu sei, mas já que eu o construí, acabei me apegando a ele e agora realmente é difícil abandoná-lo.


Poxa…


Mas você está aí fora!

Por que você não aproveita?



segunda-feira, 21 de junho de 2010

Lembranças de olaia

Percorrendo o sertão pernambucano entre as cidades de Ibimirim e Sertânia, avistei uma rústica construção através do imundo vidro do meu Opala 95. Observando aquela ilha cercada por poeira e variadas formas de cactos, percebi não haver nenhuma trilha que pudesse me levar até o local.
Tomado pela curiosidade, encostei o carro entre dois chamativos cactos, distantes uns cinco metros fora da estrada de terra, peguei minha mochila e então comecei a caminhar em direção à construção.
Após uma caminhada de uns quinhentos metros com o sol a pino, os poros do meu corpo vomitavam toda a água que me restava. Ainda assim apressei os meus passos e segui cambaleando até me deparar com uma pequena igreja. Não havia nada além de uma torre de uns quatro metros, a tinta branca cobrindo-a e uma rudimentar porta de madeira.
Ajoelhado sobre o chão arenoso, chamei por alguém. Só quem me atendeu foi o sol, gritando um calor infernal. Resolvi então empurrar a porta da igreja e percebi que mesmo muito fraco ela havia entendido o esforço de meus braços. Conforme a porta recuava, a luz invadia o ambiente interno, inundando-o parcialmente com um brilho seco. A nave não possuía nenhum banco e as paredes não guardavam vitrais ou pinturas barrocas. Ao invés disso, o branco predominava. Entretanto, uma luz amarela cegava os meus olhos, impedindo-os de enxergar a brilhante coisa que estava no lugar do altar. Me aproximei.
Do chão, erguia-se o tronco de uma olaia de ouro e do tronco estava um único galho grosso. Uma corda amarrada no galho segurava um grande laço. Nesse instante lembrei de um trecho de uma antiga cantiga canção bíblica entoada por minha avó:

"Entregou-se à olaia
e justiça ela fez
Vingou o Salvador
e aquele que o traiu
calou-se de uma vez"

Era a igreja de Judas Isacriotes, o delator de Cristo. Mas quem teria construído um recanto cristão para o grande traidor dos cristãos?
Uma outra lembrança me veio à cabeça. Três versões de Judas, o conto de Jorge Luís Borges. No conto, um escritor define a partir de estudos, três diferentes perspectivas a respeito de Judas. A última delas é a que me chamou mais atenção. Judas não era o culpado de trair Jesus, o pecado aqui estava além de suas próprias forças. Jesus tinha que morrer para salvar a humanidade e alguém teria que o trair para que isso ocorresse. Judas foi o responsável. Ele apontou Jesus para que ele pudesse salvar a humanidade. E ali, naquele inóspito pedaço de terra, estava um monumento a Judas, o apóstolo que assumiu o trabalho de pecar, de trair o seu mestre para que a humanidade pudesse ser salva.
Logo compreendi que nenhum cristão seria capaz de construir a igreja para um traidor. Ninguém entenderia. Não havia padre, nem o corpo de Cristo. Havia a forca amarrada em uma olaia de ouro e nada mais. Realmente não tive mais curiosidade em descobrir quem havia levantado os muros daquele templo. Resolvi abandonar o lugar e deixa-lo como eu o encontrei. Voltei para o meu Opala estacionado e retornei para a estrada. A igreja ficou lá. Certamente algum outro viajante passaria por ali. A passagem certamente seria vaga, afinal de contas o sertão e a certeza são terrenos difíceis de serem vencidos e aquela igreja está destinada ao esquecimento daqueles que um dia a encontraram.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Reflexão semiótico-ontológica

Escarro




com pouco catarro




me custa caro.

domingo, 11 de abril de 2010

In devassado

Ah, parede branca!
Não me encares deste jeito.
Já não basta ter que olhar a tua tinta
refletindo as minhas mágoas,
e ainda ecoas o meu passado,
joga-o na minha cara com esse teu irônico branco?

Ah, parede branca!
Acabo de riscar-te com meus gizes de cera.
tudo bem, sei que ainda és branca
mas os riscos em tua tinta
são as minhas cortinas.

o branco;
o cimento;
os tijolos.
São todos teus.

Deixe-me a sós
(eu e os meus riscados)

sábado, 3 de abril de 2010

Pergunte à visão

Permita-me atirar os olhos ao asfalto,
Esperando que encontrem a imagem perfeita
de passos apressados,
de carros embalados,
de chuvas torrenciais.

Permita-me vendar as órbitas vazias,
Renegar a visão e sentir o vazio,
o escuro interno,
o silêncio sincero,
o caminho do inferno.

Deixe que meus olhos rodopiem o mundo,
que avistem paisagens,
que sejam ofuscados pela luz,
que afoguem-se nas noites.

Permita-me que fique paralisado,
e que as imagens vivam sem mim,
e que falem por si.
Porque eu,cego por opção,
cerrei as minhas pálpebras,
e tranquei os meus demônios.

Se meus olhos olharem a minha imagem,
Avistarão um rosto pacífico,
Mas com lágrimas a escorrer;
São eles, os demônios, suspirando o morrer.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A última batalha naval

- G7.
- Acertou o meu último submarino.
- Até que enfim.
- Parabéns.
- Obrigado.

Cumprimentaram-se e seguiram em direções opostas para os seus respectivos quartos, abandonando o salão de confraternização quando o relógio apontava dez minutos para a meia-noite.
Na manhã seguinte, anunciaram no asilo o óbito de ambos os idosos, os jogadores da última noite.
John Palmer morrera de falência múltipla dos órgãos e os músculos de sua boca estavam modelados em um sorriso de extrema satisfação, como se no suspiro fatal houvesse exalado uma derradeira alegria, provocando o alinhamento das rugas faciais de acordo com o que sentia.
Louis Davenson cometera suicído. Overdose de medicamentos. Encontraram-no deitado de bruços e uma fina espuma escapava-lhe pela boca e manchas roxas cobriam-lhe o corpo. O quarto fora o palco de um espetáculo doloroso de convulsões e alucinações. Os olhos opacos exibiam a fotografia do sofrimento.

Melhor do que qualquer descrição física do caso é uma descrição psicológica. John havia ganhado sua primeira partida desde a sua chegada no asilo e considerava-se um fracassado em vida. Louis detinha um recorde de 148 jogos sem perder e o sabor da derrota nunca havia encontrado abrigo em sua boca.
Naquela noite, meus caros, um simples passatempo tornou-se uma batalha épica, consagrando o derrotado em vida e rebaixando um vitorioso à derrota. Não exagero em afirmar que o fato foi o apogeu e a ruína de dois homens, provando que um simples fato pode alterar totalmente a condução da vida à morte, o destino inevitável.