quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Equivalentes

O banco da praça
A multidão que passa
O idoso se senta O jovem se ausenta
O passado só resta O futuro não presta
Velhice odiosa Juventude ociosa
O corpo cansado O coração cortado
A vida sofrida A morte querida
O velho se apresenta O novo o cumprimenta
Aquela nostalgia Aquela agonia
Antigas memórias Recentes histórias
Boa Conversa
Conversa Boa

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A resposta de Pai Afonso

Vivia uma crise existencial. Não sabia quem era, porque estava vivendo e qual seria o sentido da vida. A religião já não fazia mais nenhum sentido para ele. Falaram-lhe então do Pai Afonso, um velho sábio que vivia nas montanhas e que poderia ajudá-lo com o vazio que o atormentava.
Seguiu então até as montanhas, chegando até uma rústica cabana encravada entre alguns pinheiros. Bateu na porta e para sua surpresa encontrou o Pai Afonso, um idoso com um cavanhaque grisalho bem aparado, vestindo um bonito terno Armani. Pai Afonso pediu que entrasse e se acomodasse em um dos lugares do pequeno espaço. Escolheu uma poltrona verde ao lado de um sofá de couro, onde sentou-se Pai Afonso.
Foram duas horas descarregando todas as suas angústias, seus questionamentos internos e seus desprazeres quanto ao ato de viver. Perguntou então:
- Por favor Pai Afonso, você pode me ajudar?
Pai Afonso respondeu:
- Certamente.
Sacou uma Magnum 357 do Armani e acertou um tiro no meio da testa do rapaz.
- Chato pra caralho. Filho da Puta.
Guardou a arma, levantou-se do sofá, jogou o corpo para fora da cabana e foi tomar uma xícara de café.

sábado, 24 de outubro de 2009

Análise combinatória

Construir a identidade individual siginifica selecionar (in)conscientemente elementos diluídos na sociedade. Gírias, roupas, modos de andar, gestos e costumes estão na lista desses elementos. Me pergunto às vezes porque as pessoas gostam tanto da auto-rotulação. "Sou ( )ista". "Sou ( )eiro". Significa certamente um sinal de desejo de pertencimento neste ou naquele grupo. Isso é alienação. Já fui um desses, assumo. Mas diante da enorme variedade e da possibilidade de inúmeras combinações, prefiro não mais ser um "ista" ou um "eiro", mas sim explorar as combinações de acordo com a minha vontade.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Under pressure

Enquanto caminhava pelas ruas de New Haven, li um anúncio procurando voluntários para um experimento social. Um tal de Stanley Milgram, professor em Yale, era o responsável pela pesquisa, que segundo o anúncio seria sobre a memória. Não estava muito interessado em participar de experiências científicas, mas apesar disso acabei procurando o tal de Milgram, principalmente pelos $4 que eram oferecidos aos participantes.
No dia seguinte, preenchi o formulário que vinha logo abaixo do anúncio e me dirigi até a Universidade de Yale. Chegando lá fui recebido por alguns homens de jaleco branco, entre eles o próprio Milgram. Pediram para me sentar e esperar o outro participante chegar. Um senhor entrou na sala e sentou-se ao meu lado. Concluí que aquele homem também participaria.
Um dos homens de jaleco branco começou a nos explicar como funcionaria tudo aquilo. Fui indicado como sendo o professor e o senhor seria o aluno. O aluno responderia a algumas questões de lógicas em outra sala, enquanto eu ficaria encarregado de aplicar uma punição, caso ele errasse a resposta. Achei aquilo esquisito, mas eu queria os quatro dólares. Perguntei qual seria a punição. O homem me conduziu até um aparelho com cerca de duas dezenas de interruptores, cada um deles com uma indicação em cima variando de 15 a 450. O outro voluntário foi conduzido até uma outra sala. O homem então continuou a me explicar o que aconteceria se o senhor errasse a resposta. O aparelho estava ligado a uma cadeira, na qual o aluno ficaria amarrado, e caso a resposta estivesse errada, eu, o professor, teria qu ativar o primeiro interruptor, que indicava 15V. Ou seja, aplicaria um choque ao homem se ele errasse a resposta! E o pior é que conforme ele fosse errando, maior seria o choque, aumentando 15V até chegar ao limite máximo de 450 V. Hesitei bastante, quis até desistir, mas o homem dizia que não havia perigo para o outro participante, que tudo estava sobre controle. Por isso, acabei sentando-me e esperei as ordens do Milgram, que estava sentado próximo a mim para que pudesse perguntar através de um microfone as questões para aquele senhor.
Só para saber como funcionava recebi um pequeno choque de 15V. Obviamente foi desagradável, mas se não faria mal ao homem, era melhor continuar. Me deram então algumas folhas de papel com algumas questões indicadas, cada uma delas com respsostas de A até D, e pediram para que eu observasse a resposta que o outro voluntário daria, através de um painel com as letras A, B,C e D. Iniciei o experimento com a seguinte questão: Qual dos elementos mais se difere em relação aos outros? A)Zebra B)Cavalo C)Mula D)Cabra. Logo de início ele marcou a letra "A". Acionei o interruptor e escutei um pequeno grito. Olhei para Milgram e ele mandou que eu continuasse. As duas próximas questões foram acertadas pelo homem, entranto as três seguintes ele errou. Os gritos aumentavam gradualmente. Comecei a ficar nervoso. Perguntei se podia abandonar, mas Milgram era firme e sucinto: "Continue." Continuei e a cada vez que ele errava, batia um grande desespero. Aos 180 Volts, o homem gritava desesperado pedindo para sair. Milgram insistia firmemente que eu continuasse para que não prejudicasse o experimento. Continuei. Acertava poucas e isso me deixava angustiado. 270,285,300 e assim por diante. Estava muito mal. Parei. Aquilo não valia $4. Estava torturando uma pessoa, um idoso. Argumentei com Milgram, mas com firmeza me garantiu que o outro estava bem. Falei que eu não era nenhum tipo sádico, e que aquilo era um absurdo. Mandou que eu não deixasse o experimento incompleto, isso prejudicaria a pesquisa e o que eu estava fazendo era pelo bem da ciência. Hesitei bastante e me sentei. olhei para as questões. Continuei. Perguntei e não obtive resposta. Stanley Milgram falou que poderia considerar isso como um erro e me mandou aplicar o choque. Contestei ao máximo, mas ativei a chave. Desde então, o senhor não respondia mais nenhuma questão. Com lágrimas nos olhos, abaixei a cabeça e fui até os 450V.
Experimento concluído às 11:30 AM, revelou Milgram. Abaixei a cabeça na mesa e chorei como uma criança, sobre as folhas espalhadas. Uma mão descansou sobre o meu ombro esquerdo. Era o senhor. Estava sorrindo. Me explicou então que ele era um ator, e que em nenhum momento ele havia levado choque. Gritava sim, mas era tudo atuação. Stanley Milgram explicou-me que a pesquisa era sobre a autoridade, e o que nós somos capazes de fazer diante dela. Falei que precisava muito ir embora. Assinei alguns papéis, peguei os quatro dólares e saí. O dinheiro terminou no chapéu do primeiro mendigo que eu vi.
A experiência mexeu comigo, provavelmente estaria apto a me tornar uma espécie de Eichmann caso vivesse na Alemanha nazista. Meses depois, recebi os resultados da pesquisa pelo correio e vi que 70% dos participantes foram até os 450 Volts. Seríamos morais diante de uma autoridade imoral?

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Cavando

Caiu no buraco. Imediatamente começou a cavar. Cavou até que a terra se juntasse ao sangue que já aparecia entre as unhas. Cavou até perder suas unhas. Não ouviu, ou fingiu não ouvir as vozes que o chamavam lá em cima, perguntando se ele queria ajuda para sair dali. Cavava sem algum objetivo, ou melhor, cavar era o seu objetivo.
Se tivesse olhado para cima, veria que o buraco era raso. Bastaria a vontade e um pequeno esforço para sair dali. Ao invés disso, cavou. E continua cavando até hoje.

domingo, 18 de outubro de 2009

O velho e o lago

Na única superfície de terra existente no extenso lago Guanatis mora um velho ermitão que isolou-se há muito tempo das interações sociais. Pensava ele na época que só assim poderia encontrar uma resposta, e no momento em que chegou na ilha, destruiu o seu barco, fazendo dele uma fogueira.
Após muitos anos, tempestades e céus azuis, não sabia mais o que eram os outros. Só sabia o que era aquele pequeno espaço, onde construiu sua pequena cabana e plantou tomates, rúculas, repolhos e cebolas. Lembranças a respeito do passado soavam demasiadamente vagas e preferia tratá-las como sonhos e pesadelos que teve numa noite qualquer.
Vinte e um anos depois de abandonar sua vida antiga, viu algo que o deixou irriquieto. Um a canoa deslizava pelo horizonte. O minúsculo remador brincava com a água. Era maravilhoso para o velho observar o movimento alternado do único remo, entrando em sincronia com o lago que já começava a refletir a invasão da noite. Aos poucos a imagem do remador foi diminuindo, até desaparecer por completo. Gritava e chorava o velho. Viu a resposta esvanecer. Mergulhou, mas tinha esquecido o que era nadar. Afogava-se. Debateu-se até se cansar e desistir de realizar esforços. Achou que seria engolido pelo lago, mas na verdade o que aconteceu foi que o lago o trouxe de volta para a ilha. Sentiu-se feliz por estar vivo ainda, mas a angústia era grande, a resposta tinha sumido.
Inúmeras tentativas de deixar a ilha foram realizadas pelo velho. Sem alguma explicação o lago impedia que o velho saísse, ou até mesmo morresse afogado, o que naquele momento seria até melhor do que a imensa melancolia de viver naquele lugar.
Assumiu que foi condenado, ou melhor, condenou-se ao adotar o isolamento na ilha. Impotente, o velho agora mira o horizonte, esperando ansiosamente uma nova aparição da canoa, na esperança de que algum dia chegasse mais perto dele, para que conseguisse finalmente vencer o lago.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Livre

A sensação mais próxima do ideal de liberdade ocorre na infância. É quando falam que não soltarão as mãos do guidão da bicicleta, mas mesmo assim soltam. Depois dos gritos e do desespero, a camabaleante bicicleta finalmente se estabiliza, e assim, o agradável vento estampa um sorriso na sua cara. É exatamente nesse momento que você se sente livre, brincando com o tempo e o espaço sem depender de ninguém.