terça-feira, 15 de maio de 2012

Casamata desarmada

Tiros, bombas e mísseis

tempos de guerra,

tempos difíceis.


Trégua é a exceção

regra é a devastação

o cheiro de pólvora no ar

ofensas prestes a estourar


Passado luxuoso

Presente doloroso

Afeto é agora fuzil

Lar é agora covil


Mas naquela infértil terra

verdadeiro cenário de ruína

crescida em tempos de guerra

vive bravamente uma heroína


O principal alvo ela é

apesar de várias feridas

a linda rosa resiste em pé.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Soneto da Liberdade

Veredas tortas cortam a serra

Duros cascos penetram a terra

Ritmados galopes reverberam

Rumos indefinidos o esperam.


Chicote já não morde o seu couro

Barriga livre de esporas de ouro

Cabresto solto e a cara ferida

Dorso pelado e a sela caída.


Pra onde vai o cavalo sozinho?

Fugindo veloz das nossas cercas

Trilha agora o seu próprio caminho.


Pra onde foi o cavalo audaz?

Ainda que assim a vida ele perca

Destino agora é ele quem faz.

sábado, 26 de novembro de 2011

Preterópolis

Enevoada terra.

Agrilhoada na serra.

Esconde-se sempre

sob o branco véu

das memórias de outrora.


Estreitas e constantes

gotículas de chuva

atuam num eterno bombardeio

de nostalgia

do passado

de fantasia.


Aqui não há mudança.

Há o futuro do pretérito.

Iria, poderia, teria.

Seria.

Lamentações por um futuro que não foi.


Conformações pelo presente branco

tal qual a névoa que a cerca.

Tela para os filmes da memória

dos outros tempos, da infância, da juventude.


O vento frio e cortante

A atmosfera sufocante

A nostalgia constante


Petrópolis, terra de Pedro, terra do Pretérito.


terça-feira, 9 de agosto de 2011

Carta de um (im)possível eremita

O mundo já não me agrada, ou melhor, os seres humanos que nele vivem são objetos de um profundo desagrado por minha parte.

Fome, guerras, doenças, desmatamento, corrupção, futilidade, drogas, superficialidade, eis os produtos da humanidade. Parafraseiam Gandhi, Luther King, São Francisco de Assis e Jesus. Da boca, cospem as palavras bondade, honestidade, igualdade, respeito, solidariedade, compaixão, utilizando-as banalmente, como dejetos que saem de nosso corpo. Hipocrisia. Como se a humanidade fosse composta somente por Madres Teresas ou Betinhos. Onde estão os Hitlers, os Genghis Khans, os Milosevics, os Idi Amin Dadas? Esses já não existem mais? Ah, duvido. Vejo-os todo dia, passeando por aí e fantasiados em moralismo barato.

Deixarei tudo isso para trás. E a família? Ah, a família, unida, bondosa, certamente notará e chorará a minha ausência. Puro tradicionalismo. Sempre foi assim, mãe e pai tem que amar o filho. Tias, tios, avôs e avôs também. Primos idem. Por quê? Porque sim. Sempre foi assim. A sociedade sempre mandou e eu, até agora, a obedeci.

Carpe Diem, Carpe Diem, Carpe Diem. Aproveitar o dia? Bela filosofia. Vou tatuá-la no pulso para ler todos os dias, assim que acordar. “Não, não vou. Tenho que pedir esmola para comprar comida e catar pedaços de papelão para me proteger do frio” , disse o mendigo.

Ajudar os pobres? Ah, fiz isso uma vez. Fui num abrigo de crianças pobres e órfãs, levei brinquedos e comida, mas só para um mês. Depois disso, meia-dúzia delas morreram desnutridas. Não tive tempo para visitá-las depois. Que pena.

Religião? Estorinha para acumulação de capital. “Religião é o ópio do povo”.

E aquela corja de políticos safados? São todos safados e ladrões. TODOS. Ah, é exatamente por isso que eu não faço questão de lembrar em quem eu votei nas últimas eleições. Na verdade, vou queimar meu título de eleitor. Cidadão? Nunca mais.

Eu te amo pra cá, eu te amo pra lá. Sexo, sexo, sexo. Promiscuidade generalizada. O amor é uma puta maquiada.


Vou ser eremita. Eu estou cansado disso tudo. Eu cometo erros, mas a humanidade é podre e não quero mais fazer parte dela. Eu vou me isolar. Eu sou alguém que não aceito mais isso. Eu sou diferente disso tudo. Os outros são todas essas coisas. “Eu, sou um outro”.



Eu, existo? Eu existe?



Nas montanhas, serei só. Eu, não existirei. Serei o nada. Um pedaço de carne ambulante. Não serei mais humano. Não saberei quem são os outros e os outros não saberão quem Eu sou. Eu só existe com os outros. Nasci com eles. Aprendi a andar, comer, pensar com eles. E agora Eu os abandonarei? Em muitas coisas eles erram, mas será em tudo? Apesar disso, nunca me negaram. Nunca disseram que eu não existo. Com eles, Eu existo! Nas montanhas, Eu não existirá. Só na minha cabeça. Mas aqui, Eu existo. Eu aprendo. Eu noto as diferenças, Eu me revolto, Eu grito, Eu rio, Eu amo. Sim, agora eu sei.

Para as montanhas me recuso a ir. Continuarei mergulhado na sociedade, na humanidade, na troca de experiências, no beijo e no abraço!


Ass:

Eu,

um humano, demasiado humano.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Elogio ao espelho

Narciso admirou a própria imagem (ou um protótipo de) diante da água. E se matou de tanto se olhar.
Alice resolveu atravessá-lo para descobrir o mundo invertido.
Orson Welles brincou com espelhos que distorciam a imagem dos personagens no filme A Dama de Shanghai.
Arquimedes afundou uma frota de navios inimigos usando uma série de espelhos.
Bruxa da branca de neve e espelho mágico.
Para o interacionismo simbólico, vertente da Sociologia, o espelho nada mais é do que a maneira como aquele que o observa será visto pelas outras pessoas.
Quebrar um espelho. Punição: sete anos de azar.
Pendurar um espelho grande num ambiente aumenta o próprio ambiente.

Admirável o tal do espelho, que com todas as suas peripécias, é o maior representante da imagem como potência. Antes de qualquer cineasta ou fotógrafo que criam a imagem a partir da realidade, estava o espelho. E mais do que a fidelidade à realidade, eles nos ensinou que as imagens não são realidade. Podem até tentar ser, mas nunca serão. Mesmo no espelho as imagens são invertidas, embaçadas, distorcidas e nos ludibriam a toda hora. Não se esqueçam que é uma imagem plana, mas que parece ser 3D ( e sem óculos especiais!).

Espelho. Fantástico objeto.

segunda-feira, 28 de março de 2011

A segunda resposta de Pai Afonso

Bateram novamente na porta da cabana do Pai Afonso. Um homem de meia idade em crise com a vida de desquitado e desempregado.

Pai Afonso abriu a porta e viu o homem esfarrapado e com uma cara de tristeza e disse:

-Caralho, mais um filho da puta em crise com o mundo. Vai ler Paulo Coelho, seu imbecil!

Pai Afonso já estava fechando a porta, quando o homem disse:

-Espere, eu tenho uma cachaça para você.

Rapidamente Pai Afonso pegou a garrafa das mãos trêmulas do homem e, olhando desconfiado, entrou e bateu a porta.

-Ei, Pai Afonso! Preciso de uma resposta!

A porta da cabana novamente se abriu, e o velho abriu a porta deu um pedaço de uma folha de caderno cortada para o homem e em seguida bateu a porta.

No papel estava a seguinte anotação:

demaisvalorasaspasvirgulasacentospontosaparagrafoshifensespacoscedilhaseletrasmaiusculasaoinvesdeficarsepreocupandocompalavrassuperficiaisquepossuemapretensaodedizercomoviverumavida

Com dificuldade em decifrar o manuscrito, o homem gritou:

-O que você quis dizer com isso, ó Pai Afonso.

-Não sabe ler? - o velho gritou de dentro.

-Sei, mas não estou entendendo o que está escrito – respondeu aos berros o outro.

-Então vai se foder. Já fiz a minha parte - concluiu Pai Afonso.

Então, o homem fez um esforço para ler o que estava escrito ali. Mas não demorou muito. Com o mínimo esforço compreendeu e decifrou o texto.

Lendo o que estava escrito começou a gargalhar sem parar. Chorava de tanto rir.

Após o pequeno surto de riso e já com um sorriso de satisfação, amassou o papel e colocou-o no bolso. Gritou bem alto:

-Seu velho desgraçado, você merece essa cachaça!

De cabeça erguida, deu meia-volta e foi embora.

terça-feira, 22 de março de 2011

Fato ou ficção?

Naquela noite, estava sentado com mais dois amigos na mesa de um boteco de esquina. Os assuntos dominantes eram cenas do cotidiano. Lembrei-me de um dia ter presenciado uma situação cômica em que uma senhorita esbelta quebrou o salto na calçada e levou um tombo. Dois segundos depois, haviam cinco homens de todas as idades ajudando a moça a se levantar. Um de meus amigos complementou a história afirmando que certamente eu era um deles. Estava certo.

Gargalhamos, até notarmos a presença de um homem soturno, com cabelos longos e grisalhos, a barba rala cobrindo as suas rugas e o sobretudo negro e desbotado cobrindo o seu corpo. Estava fumando o último trago de um cigarro. Expirou com melancolia a derradeira fumaça e nos dirigiu a palavra:

-Sabe, garotos, não pude deixar de ouvir a anedota que um de vocês narrou.

Retruquei dizendo:

-Não era uma anedota. Foi um fato. Aconteceu exatamente como eu contei.

O homem, então, lançou-me um olhar surpreso e um sorriso sarcástico e falou:

-Desculpe, garoto. De maneira alguma quis questionar a verossimilhança da sua história. Eu apenas lembrei de um acontecimento tão parecido quanto o que acaba de contar. Se não se sentirem incomodados , eu poderia narrar o ocorrido conforme minha memória me permitiu relembrar?


Eu e meus amigos nos entreolhamos desconfiados e constrangidos, mas acenamos afirmativamente com as nossas cabeças.

-Pois então, era uma manhã de domingo, um dia bucólico no parque da cidade. Estava lendo o meu jornal, sentado naquele banco cravado de frente para a bela infância que brincava e corria despreocupadamente pelo gramado sob os olhares dos pais. Do meu lado direito do banco, um garoto da idade de vocês lia um livro e a música traspassava os fones enterrados em seu ouvido e os gritos de uma sinfonia jovem podiam ser ouvidos. Do outro lado, o pai cuidadoso gritava para o filho: “Matheus, cuidado para não cair”. Perto do banco, dois jovens desportistas chutavam uma bola de futebol um contra o outro, sem que houvesse nenhum tipo de disputa em jogo...


A clareza de detalhes e a perfeita oratória no relato do estranho homem incentivava a criação de uma imagem mental perfeita. Meus amigos, que de início pareciam entediados, agora encaravam o homem com uma grande curiosidade, mesmo sabendo que o final provavelmente seria bem parecido com o da minha história.

Continuava o estranho a narrar:

-...de repente, uma das babás das crianças, uma jovem e voluptuosa morena, vestida impecavelmente e impropriamente para uma situação trivial como levar os filhos do patrão para brincar no parque, atravessou paralelamente o banco em que as coisas relatadas estavam acontecendo. O mundo parou. A lembrança dos tempos mais jovens me ocorreu, quando pela primeira vez via Teresa, minha falecida esposa, vagando no baile de carnaval e com a mais bela fantasia atravessou o salão desfilando e sorrindo atrás de sua máscara. Teresa, ah, Teresa! E a babá morena me aparecia cruzando o andar em um salto alto na calçada do parque. Nós, aqueles homens da tarde de domingo focávamos os olhares para a babá que florescia aquele parque com sua presença marcante. Até que a luz que a perseguia transformou-se trevas! Oh! Maldito salto! Tu que deverias suportar a perfeição do sexo feminino! Tu! Separaste de teu sapato em tentativa de perder-te pelos caminhos do mundo! E ali a tragédia anunciada!

O pai que preocupava-se com o filho já não mais gritava. Boquiaberto, levantou-se e correu desesperadamente.

O garoto do livro, atirou-o contra o céu, talvez implorando para os deuses para que a beleza daquela ninfa fosse poupada.

Os jovens do futebol deixaram a bola correr pelo gramado, enquanto corriam em direção à mulher como se fossem proteger a meta do seu time de levar um gol.

E este que aqui está narrando, bom este correu com o jornal e tudo. Naquela hora nenhuma informação me importava. Eu queria ser herói. Levantei-me e corri gastando o meu fôlego e com a força limitada dos meus músculos.

Formávamos a infantaria do exército masculino, guerreando contra o infeliz acaso de um salto quebrado. Lutando contra o tempo para evitar o choque da escultura contra o chão duro. Mas nosso esforço foi inútil, pelo menos inicialmente. A babá chocou-se contra o chão. A tristeza ocupou o meu coração. Teresa, ah, Teresa! Estava a babá caída enquanto nós, homens, vencíamos os obstáculos e a distância de poucos metros que separavam o corpo caído dos nossos esforços viris. Mas então aconteceu. A salvação. O resgate. Erguemos aquele corpo em um pequeno instante. O dia voltou a brilhar. A vida era mais feliz. A mulher, confusa, mas satisfeita por estar de pé. Agradeceu, sorriu e seguiu o seu caminho. Éramos heróis. Heróis de domingo. Nenhuma palavra mencionamos. Trocamos olhares de realização enquanto nossa atenção confluía para a babá, já de volta para o mundo a que pertencia. Domingo, santo domingo!


O bar estava em silêncio. Havia se transformado em um teatro de arena, com o homem no centro e a platéia acompanhando o desfecho daquela saga. Os aplausos surgiram tímidos, mas desabrocharam, se transformando em gritos e exaltações. O homem sinalizou com um leve sorriso em sinal de agradecimento e abandonou o bar sem olhar para trás.

Não sabia o nome dele. Sabia que era o contador de histórias mais impressionante que eu nunca conheci. Com ele, naqueles quinze minutos de descrições balzaquianas, tragédias gregas, fluxos joyceanos e interpretações stanislavskianas, percebi que a memória nos permite mentir, inventar e até criar. A memória não é linear, nem sucinta, nem prolixa, ela é aquela reconstrução mental de alguma situação ocorrida. Eu, o garoto sentado à direita do estranho homem, relatei a mesma história, que de anedótica transformou-se em um épico, em um monólogo fantástico do personagem que a minha memória me permitiu transformar em palavras escritas.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Solilóquio do escafandro cúbico diante do espelho

Ato I

Sua cabeça numa caixa. Você e o espelho, este suavemente apertado contra seu nariz. Seu reflexo te encara. Os movimentos inexistem. Somente as pálpebras possuem tal privilégio. São as cortinas que ocasionalmente interrompem o espetáculo macabro. O confronto com a própria imagem enquadrada. A guerra contra a existência forçosa. Os olhos miram o desespero com uma ironia refletida ad aeternum. A face é o invólucro da limitação muscular.

-Ah, vida! Que peça me foi pregada! Eu diante de um espelho até a morte! Ao inferno Descartes e o “Cogito ergum sum”!

-Melhor seria não pensar ou, melhor ainda, não existir. Ao menos posso dialogar com o reflexo das minhas íris.

-Matar-me-ei. Não pisque aí tu, reflexo, que eu não piscarei daqui. O excesso de lágrimas talvez cubra a caixa e nos afogue.

-Mas espere um instante, como conseguimos respirar aqui?

-Respirar?

-Ah, ignore a dúvida.

-Não pisquemos então!

-Certo!


As pálpebras levantadas acima do globo ocular se esforçam por um tempo indeterminado contra a vontade da queda. O esforço é insuficiente. Escuro.


Ato II


Pálpebras erguidas. Face diante do espelho.


-Não funcionou. Nossas glândulas lacrimais estão secas.

-Sem água fica difícil se afogar.

-Justamente.

-E então, quem é você?

-Um idiota diante de um reflexo de um idiota que está refletido na imagem idiota...

-Tá bom, já entendi. E você quem era?

-Importa isso agora?

-Não.

-Então pronto.

-Cansei, acho que vou fechar as pálpebras, o único movimento que me resta.

-Vou também.

-Ok, tchau.

-Tchau.


Pálpebras fecham-se para sempre diante dos olhos.



FIM

quarta-feira, 9 de março de 2011

Náufrago

O ventilador, a brisa artificial

é o meu feriado entre paredes.


A embriaguez me iludiu

falou que tudo era festa

e tudo era alegria.

Até passar o efeito.

Até perceber que eu era um

corpo boiando na corrente.

Até a onda de felicidade

tornar-se calmaria.

Sem aviso.

Vem o maremoto.

Eu no meio.

As ondas brincando

de me jogar.

Me debato.

Tento respirar.


Nadar. Nadar.


Nada.

O afogamento.


Brisa artificial.

Minha ilha.

Minha cama.



Não quero mais saber de carnaval.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

E o palhaço, quem é?

Esses não são mais os dias
do palhaço Malaquias,
das trombadas no picadeiro,
das gags do seu roteiro.

Essas não são as gargalhadas
de famílias entretidas,
de crianças sacudidas,
de pipocas cuspidas.

Palhaço hoje?

num tem nariz vermelho
num pinta a cara
num usa sapatos grandes

Hoje é falação.
Hoje é enganação.

Palhaço mesmo foi Torresmo e foi Carequinha,
foi Chaplin, foi Keaton.

Pintavacara e levavavara.
E o povo? Ah o povo se ria todo. Alguns até se choravam de tanto rir!

E torta na cara? Lambuzava eu todinho, minha cara.

Hoje num tem mais marmelada e nem palhaçada.

Hoje risada quem faz é quem fica sozinho na frente do povo, falando sem pará.

E o palhaço Malaquias?

Guarda o chapéu,
guarda o narigão vermelho.
o sapato Grande.
a buzinaça pentelha.
a maquiagem.

Agora Malaquias, que um dia fazia o mundo rir
Senta-se triste na cadeira e trabalha em frente ao computador
Para os outros não rirem, não rirem da sua verdadeira dor.