segunda-feira, 21 de junho de 2010

Lembranças de olaia

Percorrendo o sertão pernambucano entre as cidades de Ibimirim e Sertânia, avistei uma rústica construção através do imundo vidro do meu Opala 95. Observando aquela ilha cercada por poeira e variadas formas de cactos, percebi não haver nenhuma trilha que pudesse me levar até o local.
Tomado pela curiosidade, encostei o carro entre dois chamativos cactos, distantes uns cinco metros fora da estrada de terra, peguei minha mochila e então comecei a caminhar em direção à construção.
Após uma caminhada de uns quinhentos metros com o sol a pino, os poros do meu corpo vomitavam toda a água que me restava. Ainda assim apressei os meus passos e segui cambaleando até me deparar com uma pequena igreja. Não havia nada além de uma torre de uns quatro metros, a tinta branca cobrindo-a e uma rudimentar porta de madeira.
Ajoelhado sobre o chão arenoso, chamei por alguém. Só quem me atendeu foi o sol, gritando um calor infernal. Resolvi então empurrar a porta da igreja e percebi que mesmo muito fraco ela havia entendido o esforço de meus braços. Conforme a porta recuava, a luz invadia o ambiente interno, inundando-o parcialmente com um brilho seco. A nave não possuía nenhum banco e as paredes não guardavam vitrais ou pinturas barrocas. Ao invés disso, o branco predominava. Entretanto, uma luz amarela cegava os meus olhos, impedindo-os de enxergar a brilhante coisa que estava no lugar do altar. Me aproximei.
Do chão, erguia-se o tronco de uma olaia de ouro e do tronco estava um único galho grosso. Uma corda amarrada no galho segurava um grande laço. Nesse instante lembrei de um trecho de uma antiga cantiga canção bíblica entoada por minha avó:

"Entregou-se à olaia
e justiça ela fez
Vingou o Salvador
e aquele que o traiu
calou-se de uma vez"

Era a igreja de Judas Isacriotes, o delator de Cristo. Mas quem teria construído um recanto cristão para o grande traidor dos cristãos?
Uma outra lembrança me veio à cabeça. Três versões de Judas, o conto de Jorge Luís Borges. No conto, um escritor define a partir de estudos, três diferentes perspectivas a respeito de Judas. A última delas é a que me chamou mais atenção. Judas não era o culpado de trair Jesus, o pecado aqui estava além de suas próprias forças. Jesus tinha que morrer para salvar a humanidade e alguém teria que o trair para que isso ocorresse. Judas foi o responsável. Ele apontou Jesus para que ele pudesse salvar a humanidade. E ali, naquele inóspito pedaço de terra, estava um monumento a Judas, o apóstolo que assumiu o trabalho de pecar, de trair o seu mestre para que a humanidade pudesse ser salva.
Logo compreendi que nenhum cristão seria capaz de construir a igreja para um traidor. Ninguém entenderia. Não havia padre, nem o corpo de Cristo. Havia a forca amarrada em uma olaia de ouro e nada mais. Realmente não tive mais curiosidade em descobrir quem havia levantado os muros daquele templo. Resolvi abandonar o lugar e deixa-lo como eu o encontrei. Voltei para o meu Opala estacionado e retornei para a estrada. A igreja ficou lá. Certamente algum outro viajante passaria por ali. A passagem certamente seria vaga, afinal de contas o sertão e a certeza são terrenos difíceis de serem vencidos e aquela igreja está destinada ao esquecimento daqueles que um dia a encontraram.

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