terça-feira, 30 de junho de 2009

O comedor de papelão

Pôs um generoso pedaço de papelão no prato. Cortou uma de suas arestas, impulsonando-a até a boca. Os caninos rasgaram e os molares trituraram. A língua indicava um sabor estranho, sem-graça e difícil de se engolir. Ainda assim consumiu o pedaço de papelão até o fim. Na sala, caixas e caixas de papelão amontoadas esperando a ingestão. Hora ou outra encontrava um grampo firmemente vinculado a um dos pedaços. Mordia-o e sentia um pequeno incômodo nos dentes. Tinha mais sabor do que todas aquelas caixas, entretanto preferia cuspi-los.
Terminada a refeição, resolveu tirar um cochilo. Jogou um lençol sobre algumas das caixas amassadas e pôs-se a dormir, e quem sabe a sonhar. Não sonhou. Acordou e percebeu que tinha dormido umas cinco horas. Reflexões a respeito do tempo em que passa dormindo veio-lhe à mente. Dormiu cinco horas mas parecia que havia passado uns 5 minutos apenas. Mas isso realmente não importava. Na verdade, o mais importante eram aqueles pedaços de papelão aguardando o ácido gástrico. Resolveu continuar a tarefa anterior ao sono. E assim, uma a uma, as caixas desapareciam, e por mais desagradável que fosse aquela refeição,nunca estava satisfeito.
Por um instante parou e refletiu a respeito. Um minuto de hesitação. Rasgou. Mastigou. Engoliu. Desagradável. Era a vida. Rasgar, mastigar e engolir.

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